sexta-feira, 4 de dezembro de 2009

Bento XVI e o Mundo Gay: um balanço.

Por Luís Corrêa Lima* em 17/04/2007.



Completam-se nestes dias dois anos do papado de Bento XVI. E, em breve, ele vem ao Brasil. É uma ocasião oportuna para se fazer um balanço do que este papa significa nas relações entre a Igreja Católica e o mundo gay.

À primeira vista, constatam-se várias notícias de condenação do casamento gay, amplamente divulgadas. Muitas pessoas estão plenamente convencidas de que Ratzinger, já como cardeal e depois como papa, é um defensor ferrenho da moral tradicional e um inimigo feroz do movimento gay e suas bandeiras. Para elas, não há a menor sombra de dúvida quanto a isto nem nada a discutir. Pois bem, as coisas não são tão simples assim. Uma análise não superficial do assunto pode levar a conclusões mais complexas e a trilhas inusitadas. Convido o leitor a seguir este percurso turbulento.

No ano passado, ele foi à Espanha para participar do Encontro Mundial das Famílias. O Encontro se realizou alguns meses depois da aprovação do casamento gay pelo Governo socialista de Zapatero. Nesta viagem, muitos esperavam que o papa, em um país de maioria católica, fizesse uma severa condenação da nova lei. Nada disso aconteceu. Algum tempo depois, Bento XVI deu uma entrevista à televisão alemã e tratou deste assunto. Um padre da Rádio Vaticano disse ao papa que na Espanha ele não fez nenhuma referência às uniões homossexuais, nem tratou de aborto ou de contracepção. A conclusão dos observadores dessa Rádio, prosseguiu o padre, é que a intenção do pontífice é anunciar a fé e não girar o mundo como ‘apóstolo da moral’. E perguntou o que ele pensava desta avaliação.

O papa respondeu que não se deve começar dizendo ‘não’. É preciso afirmar o que se quer. E acrescentou: "o cristianismo não é um conjunto de proibições, mas uma opção positiva. E é muito importante que evidenciemos isso novamente, porque essa consciência, hoje, desapareceu quase que completamente".

De fato, alguns jornalistas especializados surpreendentemente observam em Bento XVI um discurso bem mais moderado em questões morais do que o de seu antecessor. Mais moderado, inclusive, do que suas próprias posições quando dirigia a Congregação para a Doutrina da Fé sob as ordens de João Paulo II. Isto contraria bastante o senso comum, tão habituado a vê-lo de outra forma que freqüentemente distorce informações, dando interpretações erradas. Não faltam exemplos disso.

Em 2005, Bento XVI recebeu uma delegação de bispos africanos. Ele disse aos bispos que o ensinamento tradicional da Igreja é o único caminho intrinsecamente seguro para se evitar o vírus HIV. E também alertou para o perigo de uma mentalidade antinatalista. Difundiu-se então a notícia de que o papa condenou a camisinha. Ora, defender uma conduta sexual baseada no autodomínio e na fidelidade não é opor-se totalmente ao preservativo. O papa possui um conselheiro teológico particular, que é o teólogo da Casa Pontifícia. Na época era o cardeal Georges Cottier. Este cardeal havia declarado publicamente que em algumas circunstâncias o uso da camisinha é legítimo, sobretudo em epidemias generalizadas e devastadoras, como é o caso da África. Aí vale o mandamento de ‘não matar’ e se deve respeitar a defesa da vida acima de tudo. Se Bento XVI estivesse em total desacordo com Cottier, jamais permitiria uma declaração pública assim.

Outro exemplo é na mesma viagem à Espanha, quando o papa afirmou o valor central da família "fundada sobre o matrimônio indissolúvel do homem e da mulher". Muitos entenderam como uma inequívoca condenação do casamento gay. Ora, exaltar a união heterossexual não significa exortar uma pessoa homossexual a se casar com alguém de outro sexo. Até porque, para o direito eclesiástico, este matrimônio é nulo. União hétero e união homo são de naturezas distintas e não concorrem entre si. Bem ou mal comparando, falar bem do basquete não significa falar mal do futebol. Volta e meia, o mesmo erro se repete.

Convém lembrar, todavia, que houve, sim, condenações ao matrimônio gay. Mas em que termos isto se deu? E com qual o alcance? Em encontro com os bispos canadenses, Bento XVI se referiu à "loucura da redefinição de esposo". Era uma alusão à mudança feita na Constituição do Canadá para incluir no matrimônio pessoas do mesmo sexo. Em outra ocasião, aos juízes eclesiásticos em Roma, o papa disse que pertence à "verdade do matrimônio" o seu caráter heterossexual. Fica claro, portanto, que ele defende com veemência este termo reservado à união entre homem e mulher. Aliás, na tradição judaico-cristã, o matrimônio tem um forte sentido simbólico. Ele representa o vínculo sagrado que existe entre Deus e o povo hebreu, e entre Cristo e a Igreja.

Será que isto opõe definitivamente Bento XVI e o mundo gay? No Brasil, há um projeto de lei de união civil, da então deputada Marta Suplicy. Ele prevê que os termos ‘matrimônio’ e ‘casamento’ fiquem reservados às uniões heterossexuais, em razão de suas implicações ideológicas e religiosas. Para as uniões do mesmo sexo, ele emprega os termos ‘parceria’ e ‘união civil’. Algo semelhante fez a Suprema Corte do Estado norte-americano de Nova Jersey. Reconhece os mesmos direitos às duas formas de união, mas usa ‘matrimônio’ somente para homem e mulher. Também a Igreja Luterana da Suécia. Ela autorizou a bênção de uniões do mesmo sexo, mas sem chamar de ‘matrimônio’. Portanto, em meio a fortes divergências, encontra-se um ponto de convergência. Quanto ao uso deste termo, os que apóiam o projeto de Marta Suplicy não precisam protestar contra o papa.

E a união civil de pessoas do mesmo sexo? Sobre isto, Bento XVI fez menção em um discurso a autoridades italianas no início deste ano. Ele falava da importância de se ajudar materialmente as novas gerações a constituírem família e a terem filhos, enfrentando o sério problema da natalidade muito baixa na Itália. Neste contexto, referiu-se indiretamente ao reconhecimento jurídico das uniões homo-afetivas como algo que enfraquece e desestabiliza a família fundada no matrimônio. E que por isso este reconhecimento "parece perigoso e contraproducente". Ora, ‘parece’ não quer dizer necessariamente que seja. ‘Perigoso’ não significa abominável nem inadmissível. O fogo é perigoso. Pode produzir incêndio e morte. Mas com o devido cuidado, pode ser usado na cozinha de uma residência. Portanto, os termos usados pelo papa não são taxativos nem encerram o debate.

Há quatro anos, a Congregação para a Doutrina da Fé emitiu um documento específico contra a união civil, assinado pelo cardeal Ratzinger. Os termos são bem duros: as uniões homossexuais são ‘nocivas’ à sociedade, deve haver oposição clara e incisiva ao seu reconhecimento legal, sobretudo dos políticos católicos, não se deve colaborar para colocar este reconhecimento em prática e, quando for possível, recorrer-se à objeção de consciência. Estas posições estavam em perfeita consonância com o pensamento do papa João Paulo II. Ele considerava a união civil homo-afetiva uma forma grave de violação da lei de Deus, uma manifestação da astuciosa ‘ideologia do mal’.

A posição de Ratzinger como papa é nitidamente diferente. Ele não está mais sob as ordens de seu antecessor, e tem mais liberdade para assumir outra postura. Aos políticos católicos, Bento XVI exorta que tenham como referência o direito natural e promovam o bem comum. Aí as notícias dizem novamente que o papa condenou a união civil. Afinal, supõe-se, a Igreja considera os atos homossexuais contrários à lei natural.

Em todas estas questões, cabem explicações. O ensinamento da Igreja Católica tem um importante marco referencial normativo que é o Concílio Vaticano II, realizado nos anos 1960. Este Concílio reconheceu o valor da liberdade de consciência, que é o direito de a pessoa agir segundo a norma reta da sua consciência, e o direito de não agir contra ela. A consciência é o sacrário da pessoa, a intimidade onde Deus se manifesta. Nenhuma palavra externa substitui o juízo e a reflexão da consciência. O Concílio reconheceu também que são legítimas a autonomia das ciências e a separação entre Igreja e Estado.

Um outro ponto relevante do Concílio é a hierarquia de verdades na doutrina católica. No diálogo da Igreja com outras confissões religiosas, alguns pontos são mais importantes do que outros, sobretudo os que tocam o núcleo da fé. As divergências entre os que crêem não devem ser todas colocadas no mesmo nível importância, como se todas elas fossem muralhas intransponíveis. No diálogo da Igreja com a sociedade contemporânea e com a diversidade ideológica, também não se deve negligenciar a hierarquia de verdades.

Quanto à lei natural, ela não é um código detalhado, fixista e universal promulgado pela autoridade eclesiástica. Mas, sim, uma racionalidade presente na natureza, obra do Criador. Esta racionalidade é compreensível pela reta razão em diferentes culturas e contextos. O entendimento da lei natural e da responsabilidade humana, como afirmou recentemente Bento XVI, requer um "diálogo fecundo entre crentes e não-crentes; entre filósofos, juristas e homens de ciência". Desta maneira, prossegue ele, pode-se oferecer também aos legisladores um material precioso para a vida pessoal e social.

Mais uma vez, não se trata de questões fechadas e de conclusões definitivas. O próprio papa coloca o crente, o que inclui ele mesmo, como um interlocutor do diálogo. E para que este diálogo seja fecundo, é preciso ouvir com atenção vozes diversas. Mesmo a convicção de que a união civil homo-afetiva enfraquece a família tradicional, é algo a ser verificado pelas ciências sociais, na sua legítima autonomia. Não se está diante de uma verdade de fé.

Nas questões morais, convém refletir: o cristianismo não é um conjunto de proibições. Então, por que ele é visto hoje desta maneira? A consciência de que o cristianismo é uma opção positiva quase desapareceu, como bem constata Bento XVI. Por que isto se deu? Não se deve negligenciar as razões. Há na história da Igreja uma longa tradição de proibição, medo e culpa. Um importante historiador chega a falar de uma ‘pastoral do medo’: uma abundante pregação centrada na ameaça do fogo do Inferno, para se obter a conversão dos pecadores. Não faltaram referências ao ‘abominável pecado de Sodoma’. Ainda hoje, muitos interpretam a doutrina da maneira mais restritiva e condenatória possível, com obsessão pelo pecado, sobretudo em relação ao sexo. O resultado é o descrédito e o afastamento de pessoas lúcidas, bem como o desnecessário tormento de tantas consciências. Gasta-se uma enorme energia inutilmente e se perde o foco de tantas coisas importantes.

É errada equivalência de catolicismo a proibição faz com que muitos não vejam nada de positivo na relação da Igreja com o mundo gay. Para enxergar o positivo, e tomá-lo como ponto de partida, é preciso ir além do senso comum. Já nos anos 1980, Ratzinger ensinou que a Igreja não deve considerar o ser humano como mero homossexual ou heterossexual, mas, sim, considerá-lo como criatura de Deus e, pela graça divina, filho Seu e destinado à vida eterna. O que pode haver de melhor do que ser filho de Deus, destinado à vida eterna? O que pode elevar a auto-estima mais do que isto?

No nível local, muitas mudanças estão em curso na Igreja. Em 1997, os bispos norte-americanos escreveram uma bela carta pastoral aos pais dos homossexuais. O título é: Always our children (Sempre nossos filhos). Eles afirmam que Deus não ama menos uma pessoa por ela ser homossexual, e que a AIDS não é castigo divino. Deus é muito mais poderoso, mais compassivo e, se for preciso, mais capaz de perdoar do que qualquer pessoa neste mundo. Os bispos exortam os pais a amarem a si mesmos e a não se culparem pela orientação sexual dos filhos, nem por suas escolhas. Os pais de gays e lésbicas não estão obrigados a encaminhar seus filhos a terapias de reversão de orientação sexual. Os pais são encorajados, sim, a lhes demonstrar amor incondicional. E, dependendo da situação dos filhos, observam os bispos, o apoio da família é ainda mais necessário.

Os dramas familiares com freqüência se devem a posturas intolerantes e hostis, não raras vezes alimentadas pela religião. Nestes casos, a mensagem religiosa no sentido contrário, no sentido da aceitação, tem uma eficácia superior a qualquer militância ou campanha pública.

Um novo pronunciamento dos bispos norte-americanos foi feito no ano passado. No trabalho pastoral, os ministros religiosos são convidados a ouvir as experiências, as necessidades e as esperanças das pessoas homossexuais. Assim se manifesta o respeito à dignidade inata e à consciência do outro. Gays e lésbicas podem revelar a sua condição a familiares e amigos e crescerem na vida cristã. Isto significa ‘sair do armário’ sem sair da Igreja. Os bispos norte-americanos não aprovam a adoção de crianças por casais do mesmo sexo. No entanto, aceitam o batismo de crianças sob a responsabilidade destes casais, se houver o propósito de que elas sejam educadas na religião católica. Neste ponto, muitas escolas católicas nos Estados Unidos colaboram recebendo estas crianças. Em diversas regiões, elas convivem com outras crianças sem problemas ou reclamações dos pais. As mudanças na sociedade contribuem para a boa aceitação e convivência.

E na América Latina, qual é a resposta pastoral da Igreja? Ainda é bastante incipiente. Ainda está por se fazer. Bento XVI vem ao Brasil para abrir um encontro de bispos latino-americanos, que deve durar três semanas. Entre os temas a serem discutidos, estão a acolhida e o acompanhamento de pessoas homossexuais e de casais do mesmo sexo, bem como a injusta hostilidade que sofrem. É importante que os bispos sejam encorajados neste debate e na busca de respostas que os fiéis necessitam.

No balanço dos dois anos deste papado, conclui-se que Bento XVI é um veemente defensor do termo ‘matrimônio’ reservado à união heterossexual; e um moderado opositor do reconhecimento legal das uniões homo-afetivas, com termos que não encerram o debate. Ele propõe uma mudança radical nas questões morais: que a proibição saia do centro da vida cristã. E aponta um caminho dialogante para a compreensão da lei natural e da cidadania. São elementos muito valiosos para a renovação da Igreja na sociedade contemporânea. Muitos têm a ganhar com esta renovação, tanto na Igreja quanto no restante da sociedade.

As críticas e os protestos que se fazem ao papa mostrando um intransigente total, não só são equivocados, mas alimentam as posições ultraconservadoras dos que desejam retrocesso. A crítica supostamente libertária involuntariamente se torna reacionária. A reflexão e o discernimento são indispensáveis.

A César o que é de César, a Bento o que é de Bento, e a Deus o que é de Deus.

* Padre jesuíta, doutor em história pela UnB e professor na PUC-Rio.

Referências

UNISINOS. Bento XVI e o Mundo Gay: um balanço. LIMA, Luís Corrêa: 16/04/2007. Disponível em:  http://www.ihu.unisinos.br/index.php?option=com_noticias&Itemid=18&task=detalhe&id=6580. Acesso em: 29/11/2009.

3 comentários:

  1. Respostas
    1. Amigo, como é triste sua ignorância a respeito do assunto!!! A igreja cristã (seja católica ou evangélica) não aceita homossexual em forma alguma!!! Não seja ingênuo enfeitando seu discurso com palavras supostamente cheias de intelectualidade, mas vazias de conhecimento sobre o assunto.. Só convence a você mesmo a aos desavisados!!!

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  2. Meu conselho a você é que estude mais a respeito da religião judaica cristã para evitar ficar citando falas superficiais de algumas figuras esporádicas dentro da igreja (em sua maioria com visão tendendo a esquerda inclusive que você tanto condena) para apoiar suas alucinações utópicas de um mundo hipócrita e superficial!!! A visão direita da igreja sempre considerará qualquer atividade homossexual como "PECADO" e VOCÊ se for homossexual será apenas recebido, mas nunca aceito na sua integridade!!! Não seja tolo!!! Não quero aqui fazer apologia a capitalismo, comunismo, direita ou esquerda, religião ou não, mas simplesmente abrir seus olhos dessa ignorância que pretende se afundar e levar outros pobres homossexuais junto contigo!!!

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