domingo, 29 de novembro de 2009

Casamento gay, sob a visão de Richard Posner.

Reprodução feita de um trecho do livro Sex and Reason de Richard Posner, tratando do direito ao casamento gay. O livro é uma tentativa ousada de analisar os costumes, as leis e o comportamento sexual a partir de uma perspectiva utilitarista. O mais interessante é que, com essa abordagem econômica, o autor consegue se desvencilhar das visões mais usuais deste campo teórico-político, rejeitando tanto a postura conservadora quanto a liberal (esquerdista).

Õ.Õ


"Os libertários criticam aqueles que se mostram favoráveis à limitação do direito ao casamento e acrescentam que há argumentos, bem como princípios sólidos, em favor da permissão do casamento homossexual. A aprovação do direito ao casamento aumentaria a auto-estima dos homossexuais. Contribuiria também, embora apenas marginalmente, para a estabilidade das relações homossexuais e, dessa forma, não apenas tornaria os homossexuais mais felizes como também reduziria a transmissão de DSTs, especialmente da AIDS. Estes seriam os benefícios advindos da permissão do casamento homossexual; e os seus custos seriam desprezíveis, se estou correto no raciocínio de que a remoção dos impedimentos legais impostos à homossexualidade provavelmente não aumentaria a quantidade de indivíduos com preferência homossexual. As práticas homossexuais, algo distinto da preferência sexual, poderiam, na verdade, apresentar uma redução caso o casamento homossexual diminuísse a promiscuidade homossexual.

Mas há três diferenças entre punir as práticas homossexuais e limitar aos heterossexuais o direito ao casamento. A primeira é que permitir o casamento homossexual poderia ser amplamente interpretado como colocar um selo de aprovação sobre a homossexualidade, ao passo que a descriminizalização da sodomia não é interpretada dessa forma, pelo menos não em todos os lugares na mesma extensão. Dizer que um ato não é crime não é o mesmo que aprová-lo; grande parte dos comportamentos considerados asquerosos ou imorais, ou ambos, não é entendido como crime. Mas o casamento, ainda que considerado um sacramento apenas pelos católicos, é visto pela maioria das pessoas em nossa sociedade não apenas como uma licença para reproduzir mas também como uma condição desejável, ou mesmo nobre, para se viver. Não é essa a crença da maior parte das pessoas desta sociedade; e por diversas razões é equivocado sugerir que os casamentos homossexuais têm a mesma probabilidade dos casamentos heterossexuais de garantir estabilidade e gratificação, mesmo considerando que uma grande parcela dos casamentos heterossexuais em nossa sociedade é instável e não gratificante. Não acredito que a propaganda governamental de que o casamento homossexual seria um estado de paz e felicidade levaria os heterossexuais a repensar suas preferências sexuais. Minha preocupação é outra. É que permitir o casamento homossexual colocaria o governo em uma posição desonesta de divulgação de uma falsa imagem das vidas dos homossexuais.

Contra isso pode se argumentar que, como o casamento heterossexual tem se tornado cada vez mais instável, temporário e sem filhos, a sugestão de que este difere fundamentalmente do casamento homossexual se torna cada vez mais implausível. E está correto. Mas isso é um ponto em favor não do casamento homossexual mas da substituição da própria instituição do casamento por uma perspectiva contratual explícita que torne a atual realidade do casamento transparente.

A segunda diferença entre a questão da sodomia e do casamento pode parecer um trivial adendo da primeira. Quanto mais amplamente é definido o conceito de casamento, menos informação este termo e seus correlatos passam a carregar. Quando lemos que o Sr. X é casado ou que a Sra. Y é casada, sabemos imediatamente que o cônjuge de X é uma mulher e que o de Y é um homem. Se convidamos pessoas a uma festa e lhes pedimos que tragam o cônjuge, sabemos que cada homem ou virá sozinho ou trará uma mulher e que cada mulher ou virá sozinha ou trará um homem. De forma que um homem homossexual ou uma mulher homossexual virá sozinho à festa. Se não nos importamos em limitar os convidados adicionais aos cônjuges, pedimos aos convidados que tragam não seus esposos ou esposas, mas sim seus “convidados”. Se nosso filho ou filha nos diz que ele ou ela irá se casar, sabemos exatamente o sexo do futuro esposo/esposa. Todos esses entendimentos deixariam de existir se o casamento homossexual fosse permitido. Esta é obviamente uma razão pela qual os militantes querem que o casamento homossexual seja aprovado. O que eu quero enfatizar é que existe um custo de informação embutido nesta proposta.

Mas há também um benefício informacional. A proibição do casamento aos homossexuais evita que um casal homossexual tenha que sinalizar o grau de comprometimento da relação. Se o casamento fosse abolido, a coabitação homossexual denotaria indiferentemente tanto os mais curtos quanto os mais estáveis relacionamentos.

A terceira diferença entre as questões da sodomia e do casamento é a mais importante. A abolição das leis anti-sodomia traria poucos efeitos colaterais, embora eu tenha sugerido um: ela tornaria mais fácil para os homossexuais obter emprego em áreas que atualmente não podem entrar. A autorização do casamento homossexual teria muitos efeitos colaterais, simplesmente porque o casamento é um status repleto de direitos. Ela geraria conseqüências sobre herança, seguridade social, imposto de renda, benefícios assistenciais, adoção, divisão da propriedade ao final da relação, benefícios médicos, seguro de vida, imigração, etc. Esses elementos do casamento foram pensados tendo em mente o casamento heterossexual, mais especificamente os casamentos heterossexuais com filhos. Eles poderiam se ajustar ou não ao casamento homossexual; é improvável, entretanto, que este ajuste seja perfeito. Desejamos que os casais homossexuais tenham os mesmos direitos de adoção e custódia dos casais heterossexuais? Devemos nos preocupar com o fato de um homossexual poder se casar com um paciente em estado terminal de AIDS a fim de lhe garantir plano de saúde?

Nenhum desses pontos é um argumento decisivo para impedir o casamento homossexual. Todos juntos podem não o ser. Os benefícios desta espécie de casamento podem ser maiores do que os seus custos. Entretanto, em virtude da grande hostilidade pública aos homossexuais neste país inviabilizar o casamento homossexual mesmo que baseado em uma balança de custo-benefício, talvez o foco deva ser mudado para uma posição intermediária que daria aos homossexuais mais do que eles desejam, ao mesmo tempo em que atenderia às três objeções aqui levantadas.

Não surpreendentemente, a Dinamarca e a Suécia nos fornecem o modelo. O que na Dinamarca se chama de parceria civil e na Suécia coabitação homossexual é, com efeito, uma forma contratual que os homossexuais poderiam usar para criar um simulacro de casamento. A lei dinamarquesa vai mais longe que a sueca: ela permite que os parceiros registrados gozem de todos os benefícios do casamento exceto aqueles relacionados aos filhos, embora tenha surgido a questão se o parceiro registrado teria os mesmos direitos à pensão do seu parceiro ou parceira como um esposo/esposa possuem. A Suécia, que já concedeu um status quase-marital aos heterossexuais que moram juntos, permite que os homossexuais também acessem esse status, cuja característica principal é uma divisão dos bens no caso da dissolução da relação. A perspectiva dinamarquesa é mecânica em assumir que a presença de crianças é a única coisa que distingue o casamento heterossexual do casamento homossexual. A sueca, por outro lado, assume, realisticamente, que o relacionamento homossexual, mesmo quando estável, está mais próximo da coabitação heterossexual do que do casamento heterossexual, de maneira que os mecanismos que a Suécia tem se utilizado para regularizar o que é extremamente comum naquele país fornece o modelo apropriado para os homossexuais que desejam viver juntos em nosso país. Ele pode inclusive oferecer um modelo cada vez mais atrativo também para os heterossexuais."


Referências
POSNER, Richard A. Sex and Reason. Ed. Harvard University Press, 1992

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