sexta-feira, 13 de novembro de 2009

"O cuidado pastoral das pessoas homossexuais" sob a visão de Andrew Sullivan

Visando difundir conhecimentos sobre os documentos do Vaticano acerca da homossexualidade (para melhor compreensão do assunto tal como é visto pela Igreja), e também a opinião de autores homossexuais sobre o assunto, resolvemos aqui publicar opinião de Andrew Sullivan (católico e gay assumido, ex-editor da revista The New Republic) sobre um documento [1] elaborado em 1986 pelo cardeal Joseph Ratzinger, atual Papa Bento XVI. Sullivan, em seu livro [2], discorre as seguintes ideias:


'Portanto não surpreende que, uma década após este documento de 1975, a Igreja [Católica] tenha achado necessário abordar o assunto de novo. O problema poderia ser resolvido, é claro, por uma simples reversão à posição antiga, a posição mantida pelas Igrejas protestantes fundamentalistas, de que o homossexualismo é uma horrível tribulação que afeta os heterossexuais, à qual se deve resistir e que pode ser curada. Porém, a Igreja Católica negou-se obstinadamente a voltar atrás na sua afirmação quanto à ocorrência natural de homossexuais constitutivos, assim como à sua compaixão por eles e sua sensibilidade quanto às vicissitudes que enfrentam. Num comunicado de 1986 do cardeal Joseph Ratzinger, “O cuidado pastoral das pessoas homossexuais”, esse tema é aprofundado, começando pelo próprio título.



Para alguns, o uso do termo “pessoa homossexual” num texto católico pode parecer uma banalidade. Porém o termo “pessoa” constitui, para a doutrina moral católica, uma profunda afirmação da humanidade, dignidade e valor do indivíduo. Ele evoca toda uma gama de direitos e necessidades; reflete o reconhecimento, pela Igreja, de que uma pessoa homossexual merece exatamente a mesma preocupação e compaixão que uma pessoa heterossexual, tem os mesmos direitos como ser humano e é igualmente valiosa aos olhos de Deus. Essa idéia estava implícita, no documento de 1975, mas nunca fora usada. Aqui estava ela, onze anos depois, incluída no próprio título.


As implicações disso transparecem em todo o texto. O homossexualismo, longe de ser algo não mencionável ou inerentemente repulsivo, é discutido com franqueza e sutileza. Merece cuidadosa atenção: “o fenômeno do homossexualismo, complexo como é, e com suas muitas conseqüências para a sociedade e para a vida eclesiástica, é um foco adequado para o cuidado pastoral da Igreja. Ele requer de seus ministros um estudo atento, uma preocupação ativa e um aconselhamento honesto, teologicamente bem equilibrado”. A natureza não escolhida do homossexualismo é elaborada agora em toda a sua dimensão moral: “a inclinação particular da pessoa homossexual não é um pecado”. Mais ainda: as pessoas homossexuais, afirma-se, “com freqüência são generosas e altruístas”.


Então, numa espantosa concessão, a Igreja [Católica] passa a invocar seus costumeiros argumentos em defesa da dignidade humana, agora em defesa da dignidade homossexual: “é deplorável que pessoas homossexuais tenham sido, e ainda sejam, objetos de violenta animosidade em palavras ou ações. Tal tratamento merece condenação dos pastores da Igreja onde quer que ocorra. Ele revela uma desconsideração pelos outros que põe em perigo os princípios mais fundamentais de uma sociedade sadia. A dignidade intrínseca de cada pessoa deve sempre ser respeitada, na palavra, na ação e na lei”. Em outras passagens, o documento refere-se à “dignidade e valor dados por Deus” da pessoa homossexual; considera a opinião de que as pessoas homossexuais são sexualmente compulsivas “uma suposição sem fundamento e degradante”; e argumenta que “a pessoa humana, feita à imagem e semelhança de Deus, não pode ser adequadamente descrita por uma referência reducionista à sua orientação sexual”.


Por que essas afirmações são espantosas? Porque revelam o quanto, em meados da década de 80, a Igreja absorvera a visão do documento anterior acerca do caráter involuntário do homossexualismo e tivera a tenacidade de levar esse ensinamento até sua conclusão lógica. Aqui a Igreja postou-se solidamente contra a intolerância, contra a depreciação dos homossexuais – seja por ataques verbais e violência anti-gay, seja pelas tentativas pró-gay de reduzir os seres humanos a um só aspecto de sua personalidade. Ao negar que a atividade homossexual seja totalmente compulsiva, a Igreja também abriu as portas para todo um universo de discussão moral sobre o comportamento homossexual ético e não ético, em vez de simplesmente descartá-lo como algo uniformemente patológico. Aquilo que em 1975 fora “uma constituição patológica julgada incurável”, tornou-se, onze anos depois, uma “pessoa homossexual”, “feita à imagem e semelhança de Deus”.


Assim, em um sentido, a Igreja aprofundara muito sua compreensão quanto ao caráter involuntário do homossexualismo, à necessidade de compreendê-lo, à necessidade de cuidar das pessoas homossexuais, à dignidade das pessoas que são constitutivamente homossexuais. Mas essa é apenas uma metade da história. A outra metade é que, simultaneamente, ela aprofundou e fortaleceu sua condenação em qualquer atividade sexual homossexual. Em 1986, os ensinamentos que proibiam qualquer possível aprovação dos atos sexuais homossexuais eram muito mais categóricos do que antes. O cardeal Ratzinger conduziu a Igreja em duas direções simultâneas e opostas: por um lado, um maior respeito e compreensão pelas pessoas homossexuais; por outro, uma rejeição mais rígida de quase tudo que essas pessoas porventura fizessem para se expressar sexualmente.


No início do documento de 1986, Ratzinger corajosamente enfrentou o paradoxo central: “na discussão que se seguiu à publicação da declaração [de 1975] [...] deu-se uma interpretação excessivamente benigna à condição homossexual em si, sendo que alguns chegaram a considerá-la neutra ou até mesmo boa. Embora a inclinação particular da pessoa homossexual não seja um pecado, é uma tendência mais ou menos forte dirigida para um mal moral intrínseco; assim a própria inclinação deve ser vista como um distúrbio objetivo”. Em outros trechos, o argumento bíblico e o da lei natural contra as relações homossexuais são reiterados com toda a clareza. Evitando sabiamente a natureza problemática do repúdio do Velho Testamento às relações homossexuais, Ratzinger concentra-se nas advertências de São Paulo contra o homossexualismo: “Em vez da harmonia original entre Criador e criaturas, a aguda distorção da idolatria levou a excessos morais de todo tipo. Paulo não é capaz de encontrar um exemplo mais claro dessa desarmonia do que as relações homossexuais”. Há também o simples argumento da lei natural: “É apenas na relação marital que o uso das faculdades sexuais pode ser moralmente bom. Portanto, uma pessoa que se envolve num comportamento homossexual age de maneira imoral”. A questão da procriação é fortalecida por um argumento sobre a união natural, “a união complementar capaz de transmitir a vida”, que é o casamento heterossexual. O fato de que o sexo homossexual não pode ser parte disso significa que ele “distorce o chamado a uma vida de altruísmo que, segundo o Evangelho, é a essência da vida cristã”. Assim, a “atividade homossexual” é inerentemente “auto-indulgente”. A atividade homossexual, afirma o documento numa referencia velada à AIDS como forma de punição aos homossexuais, é “uma forma de vida que constantemente ameaça a destruí-los”.


Aqui temos um verdadeiro arsenal de argumentos. O bombardeio de palavras dirigido contra a “atividade homossexual” que o documento sempre associa ao sexo homossexual, é ainda mais notável porque ocorre, como já vimos, num documento que em outros trechos foi mais longe do que se poderia imaginar na aceitação dos homossexuais no coração da Igreja e da humanidade. O documento nos pede, ao que parece, que amemos o pecador mais profundamente do que nunca, mas odiemos o pecado ainda mais apaixonadamente. Contra essa exigência a maioria dos católicos homossexuais já travou, em algum momento, um angustioso combate.'

(para ler o documento católico na íntegra, acesse o link nas 'referências')




Referências:


[1] VATICANO. Congregation for the doctrine of the faith – letter to the bishops of the Catholic Church on the pastoral care of homosexual persons. RATZINGER, Joseph: 1/10/1986. Disponível em: http://www.vatican.va/roman_curia/congregations/cfaith/documents/rc_con_cfaith_doc_19861001_homosexual-persons_en.html. Acesso em: 13/11/2009.


[2] 1. SULLIVAN, Andrew. Praticamente normal – uma discussão sobre o homossexualismo. 1ª. ed. Editora Companhia das Letras, São Paulo, 1996.

4 comentários:

  1. Ai, por favor! Alguém avisa vocês que vocês estão equivocados, por favor??? Ora onde já se viu. Eu não tenho, nem poderia achar bom alguém dizer que tenho, um disturbio moral afetivo. Pra dizer que é distúrbio eu tenho que consideram algo como certo. Tudo o que é errado só é errado porque é em comparação com algo certo. E o certo é ser hétero? Vocês, gays assumidos, realmente acreditam nisso?

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  2. Não acreditamos e não é isto que está escrito no texto. O único lugar que está escrito a palavra "disturbio" foi na sua mensagem. Favor ler novamente!

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  3. Podem me explicar por que o site tem esse nome? Donde vem vocÊs? cadusp1978@gmail.com

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  4. Sou estudioso em filosofia e gostaria de um entrevista com vocês. Poderiam me escrever par aum encontro. Estou na cidade de São Paulo. GRato, Carlos Eduardo.

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